Angola destaca relações históricas com Cabo Verde
José Maria Neves, 61 anos, é investido, esta terça-feira (9), como o quinto Presidente da República de Cabo Verde, numa acto a ser testemunhado por líderes de países das Comunidades Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), entre os quais o Chefe de Estado angolano, João Lourenço.
Além do estadista angolano, que chegou na tarde de ontem à Cidade da Praia, testemunham o acto, a decorrer por volta das 10 horas locais (12 em Angola), nas instalações da Assembleia Nacional de Cabo Verde, os Presidentes de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, da Guiné Equatorial, Teodore Obiang Nguema, da Guiné Bissau, Umaru Sissoko Embalo, de São Tomé e Príncipe, Carlos Vila Nova, e do Senegal, Macky Sall. O Brasil estará representado pelo Vice-Presidente, Hamilton Mourão.
O ministro das Relações Exteriores, Téte António, justificou a presença do Presidente João Lourenço na in-
vestidura de José Maria Neves com as “relações históricas” entre Angola e Cabo Verde. Em declarações, ontem, à imprensa angolana, Téte António disse ser desejo de Angola que o legado dos líderes históricos dos dois países seja continuado de forma qualitativa. “Isso é o que o Presidente João Lourenço tem feito e é também isso o que motiva a sua presença neste país”, afirmou.
Segundo ainda o chefe da diplomacia angolana, estas ocasiões são sempre uma oportunidade de ver o que une os dois países, não só do ponto de vista das relações históricas, mas também dos instrumentos jurídicos que devem ser traduzidos em cooperação económica e em todos os domínios.
Téte António considerou que a cooperação entre Angola e Cabo Verde “está no bom caminho”, lembrando que os dois países têm um Acordo Geral de Cooperação que data de 1976, revisto em 1997. Criaram uma Comissão Bilateral Intergovernamental que está a preparar a sua oitava sessão.
“Já tivemos a visita do Senhor Primeiro-Ministro (cabo-verdiano) a Luanda. Em Nova Iorque, à margem da Assembleia-Geral das Nações Unidas, o nosso Presidente recebeu o Primeiro-Ministro de Cabo Verde e aí acordamos em continuar a cooperar em domínios como dos Transportes Marítimo, Aéreos e em outros, como a Agricultura e Turismo, que representa cerca de 25 por cento da economia cabo-verdiana”, referiu.
Téte António disse, ainda, que Angola e Cabo Verde podem trocar experiências no “doing business”, no qual o arquipélago lusófono tem sido uma boa referência, além da investigação científica. “Podemos fazer sinergias para as nossas capacidades, incluindo no domínio marítimo, pois Cabo Verde tem grandes capacidades de pesquisa”, sugeriu.
Cooperação no âmbito da CPLP
Quem também vai testemunhar a investidura de José Maria Neves é secretário-executivo da CPLP, Zacarias da Costa, para quem o acto é muito importante e que, além de solene, vai marcar uma nova página na vida de Cabo Verde.
Em entrevista à imprensa angolana presente na Cidade da Praia, o timorense ao serviço da CPLP destacou a cooperação entre a organização e Cabo Verde, relactivamente aos oceanos e ao acordo de mobilidade no espaço da lusofonia. Sublinhou o facto de este acordo ter começado em Cabo Verde, por ser o primeiro país a ractificá-lo e a fazer o depósito do instrumento.
“Agora esperamos que os outros países possam seguir o exemplo. Devo informar que São Tomé já está quase a concluir o processo, falta apenas o envio para o depósito”, referiu Zacarias da Costa, sublinhando que basta que três países o façam, para o acordo poder entrar em vigor. “Mas espero que todos os países da CPLP ratifiquem, na medida em que pretendemos, o mais rapidamente possível, trabalhar para a operacionalização do acordo da mobilidade”, insistiu.
Relativamente à Angola, disse ter informações de que o acordo já está em Conselho de Ministros, acreditando que, a breve trecho, irá à Assembleia Nacional para apreciação e ratificação.
Zacarias da Costa disse esperar que, durante o seu mandato e da presidência angolana, possa acompanhar de perto as dinâmicas de integração regional e trabalhar com os secretariados da CEDEAO, CEEAC e SADC, tendo em conta a cooperação em momentos de crise e em situações que exijam, não só a actuação da CPLP, mas também de cada um dos grupo regionais.
Cabo-verdianos querem melhorias
Cidadãos cabo-verdianos entrevistados, ontem, pelo Jornal de Angola, mostraram-se expectantes com a eleição e investidura de um novo Presidente da República, mas pedem que este influencie o Governo a criar políticas que mudem, para melhor, o nível de vida da população.
A jovem Wendi Pires apontou o aumento da pobreza e a seca como dos principais problemas de Cabo Verde. A sua expectativa é que José Maria Neves seja o advogado dos mais necessitados, sobretudo da população rural, que tem enfrentado, nos últimos anos, momentos muito difíceis.
“Espero que ele tenha maior diálogo com o Governo”, afirmou Wendi Pires, admitindo que o facto de o novo Presidente da República ser de um partido diferente do Primeiro-Ministro pode dificultar esta aproximação. Mas considera que, para a realidade cabo-verdiana, é mesmo necessário que exista coabitação política, para que haja uma melhor governação. “Para mim, é melhor assim, para contrabalançar os poderes”, sustentou.
Mais emprego, saúde e Justiça para todos é o que Francisco da Rosa espera que o Presidente da República defenda enquanto Chefe de Estado.
A mesma opinião é partilhada por Fernando Tavares, que, consciente ou não de que o chefe do Governo em Cabo Verde é o Primeiro-Ministro, fez um balanço negativo dos dez anos de mandato do Presidente cessante, Jorge Carlos Fonseca. “O anterior Presidente não fez nada. Estamos na esperança de que o novo faça alguma coisa na vida dos cabo-verdianos”, disse, apontando o desemprego e a criminalidade como os principais problemas de Cabo Verde. “Aqui, quase todos os dias há homicídios”, denunciou.
Fernando Tavares acredita que José Maria Neves vai fazer alguma coisa para que o actual quadro seja alterado. Mas avisou: “se daqui a cinco anos não der conta do recado, vamos dar-lhe um ponta-pé”, em alusão a não reeleição, numa eventual recandidatura do ex-Primeiro-Ministro, em 2026.
Um empresário do ramo hoteleiro, construção civil e imobiliária que pediu o anonimato disse não esperar por grandes mudanças com José Maria Neves na presidência. “O que se espera é que a intervenção dele seja mais directa com a diáspora e que ajude o nosso Governo nas decisões a serem tomadas”, previu.