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Júlia Machado, Embaixadora em Cabo Verde: “Angola é um país cada vez mais respeitado no contexto das nações”

À frente da Embaixada de Angola em Cabo Verde desde Novembro de 2019, Júlia Machado, uma veterana no ramo da Diplomacia, está apostada, entre outras tarefas, em ajudar a criar condições para a expansão de investimentos angolanos em território cabo-verdiano. Antiga cônsul-geral em Nova Iorque, Houston e Texas (Estados Unidos), a diplomata acredita que o país tem grande potencial para ajudar a alavancar a economia cabo-verdiana. Em entrevista ao Jornal de Angola, faz uma incursão aos seus quase dois anos de mandato no arquipélago, onde o empresariado angolano é “pedra angular” nos sectores da Banca e Transportes Aéreos. “Angola é um país cada vez mais respeitado no contexto das nações”, afirma a diplomata, quando avalia a diplomacia no mundo

Está há quase dois anos à frente da embaixada em Cabo Verde. Até que ponto lhe satisfaz o balanço do seu próprio trabalho?  
Cheguei aqui, em Cabo Verde, em Novembro de 2019, mas só  comecei a exercer o cargo, praticamente, em 2020, altura em que surgiu a pandemia da Covid-19. O balanço das minhas actividades à frente da Embaixada angolana em Cabo Verde está ligado aos constrangimentos da Covid-19. Ainda assim, a Covid-19 não pode constituir motivo para deixarmos de executar o nosso programa. Portanto, diria que o balanço é positivo. Podia ter sido melhor, não fossem as consequências da pandemia, que, como sabe, abalaram todos os países e, obviamente, Cabo Verde não ficou de parte.
Muitas acções deixaram de ser executadas?

Tentamos fazer o possível para executar o que estava previsto. Tivemos que saber conviver com a pandemia, porque ela não vai terminar agora. Diria que é um aprendizado para que as pessoas vençam os desafios da melhor maneira. Acho que daqui para frente vamos ter melhores resultados.
A Pandemia impediu, por exemplo, que a Embaixada trabalhasse para o incremento da cooperação entre Angola e Cabo Verde? 

Temos um plano de actividades, que inclui as acções para serem executadas durante um determinado período. Normalmente, fazemos planos semestrais e anuais.  A nossa actividade,  a nível da Embaixada, é incrementar as relações de cooperação entre Angola e Cabo Verde e, neste sentido, programamos  encontros com várias instituições do Estado e organizações da sociedade civil. Em suma, a nossa actividade é prioritariamente ajudar para o incremento das relações eco­nómicas e empresariais entre os dois países. A política externa de Angola dá prioridade à vertente económica.
De modo geral, como avalia a cooperação entre os dois países?

A cooperação,  de um modo  geral, é boa, mas pode ser melhor. Por exemplo, no âmbito do diálogo permanente da concertação político-diplomática,  os dois países têm estado bem. Além das questões bilaterais, Angola e Cabo Verde fazem parte de organizações internacionais multilaterais, como a União Africana, CPLP,  Países Africanos de Língua  Oficial Portuguesa, e da Organização das Nações Unidas. Em todos estes foros, Angola e Cabo Verde têm mantido  um diálogo político-diplomático a bom nível.
A Embaixada tem conhecimento de propostas de empresários angolanos que pretendem investir em Cabo Verde?

Gostaria, primeiro, de dizer que, no âmbito da cooperação económica, o que Angola pretende é incrementar a cooperação económica e empresarial entre os dois países. Angola tem um grande potencial económico em várias áreas, indústria, agropecuária, pescas, turismo, transportes, sectores que podem ser perfeitamente explorados. O que temos feito é organizar o empresariado, no sentido de transformar este potencial em riqueza real, com a participação do sector privado. Esta é a expectativa dos angolanos e dos cabo-verdianos, para  que a cooperação nesta vertente seja real. Portanto, neste aspecto, as empresas  têm um papel fundamental. Na verdade, ainda não recebemos propostas de empresários. Mas, como sabe, há alguns investimentos de angolanos aqui em Cabo Verde, nos sectores dos Transportes Aéreos,  Banca,  Hotelaria e Turismo. Contudo, pensamos que, com melhor organização do sector privado,  poderemos ter melhores resultados. A nossa finalidade é convencer quer o empresariado angolano, quer o cabo-verdiano para estabelecerem as parcerias  que ajudem a alavancar  a cooperação no domínio económico e empresarial. Em suma, diria que os empresários angolanos e cabo-verdianos devem unir-se para uma só causa, como aqui dizem em criolo, “djunta mon”.  Isso daria lugar, consequentemente, ao reforço da cooperação  económica entre os dois países.
Quais são os sectores com mais investimento angolanos aqui em Cabo Verde? 

Os sectores da  Banca e dos Transportes Aéreos.  Trata-se de investimentos muito importantes na economia de Cabo Verde.  Por exemplo, este país tem 10 ilhas e a locomoção das pessoas de uma ilha para  outra é feita, essencialmente, com a participação de empresários angolanos que investiram nos transportes aéreos. Aqui, o sector do Transporte Marítimo ainda é incipiente e a contribuição do empresariado angolano nos transportes aéreos  tem sido fundamental, tem tido um  impacto significativo na vida das  pessoas e, consequentemente, na economia do país.
Como avalia a diplomacia angolana, no contexto das nações?

A diplomacia angolana cresceu  muito nos últimos tempos, sem dúvidas alguma. Angola é um país cada vez mais respeitado no contexto das nações. Isso é graças a um gigantesco trabalho da diplomacia. Vejamos, por exemplo, o trabalho que o Chefe do Executivo tem feito ultimamente pelos diferentes países e, em consequência, a aceita-ção que Angola conquistou no mundo. Portanto, o trabalho diplomático hoje desenvolvido por Angola é extremamente positivo. Isso é o retrato de que estamos a caminhar bem. A nível de África, estamos a dar prioridade às relações  dentro do próprio continente. Portanto, é um posicionamento que nos dá  credibilidade em termos de posicionamento no continente africano. 
“O número de angolanos que vive em Cabo Verde é muito reduzido”
Como está a comunidade angolana aqui, em Cabo Verde?

A comunidade angolana em Cabo Verde não é expressiva, refiro-me em termos de habitantes. Temos registado   138 angolanos, distribuídos pelas  nove ilhas habitadas. Aqui, na cidade da Praia, a capital do país,  só para ter uma ideia, vivem apenas 38 cidadãos angolanos. Portanto, é um número muito reduzido. Nesta vertente, registamos a particularidade de muitos cabo-verdianos, que têm uma estima muito grande por Angola, também se consideram angolanos. Temos incentivado estas pessoas a organizarem-se em uma associação de amigos de Angola, por exemplo,  para  que possam dar ideias, contribuições, enfim, ajudar, de algum modo, a vida da comunidade angolana.
A embaixada  tem algum programa específico virado para a comunidade angolana?

No passado dia 9, tivemos um encontro com membros da comunidade angolana, no qual, entre outras recomendações,  apelamos para criação de uma Associação, por exemplo, de angolanos aqui em Cabo Verde, para que este órgão possa cuidar dos seus interesses. Seria até o interlocutor directo com a embaixada angolana. Devido ao reduzido número  de angolanos residentes aqui,  talvez não seja possível este órgão estar representado em todas as ilhas. Também a  comunicação entre as pessoas nas  diversas ilhas não será fácil, porque a mobilidade, entre estas localidade, não é fluida. Todavia, queremos tranquilizar que a embaixada está disponível para apoiar os angolanos residentes aqui, naquilo que for possível, ao mesmo tempo que procura estar informada sobre a sua vida.
Houve ou há algum angolano com Covid-19?

A embaixada não tem conhecimento de caso de algum angolano residente em Cabo Verde que tenha contraído a Covid-19. Também  nunca foi  notificada a respeito pelas autoridades locais. Portanto, estamos em crer que nenhum dos nossos compatriotas tenha contraído Covid-19, felizmente. 
Exemplo de democracia
Cabo Verde realizou eleições presidenciais no passado dia 17, que culminaram na escolha de José Maria Neves como o novo Presidente. Foi um pleito sem reclamação de irregularidades significativas, ou seja, realizado dentro do espírito democrático. Quer comentar?

Primeiro, gostaria de felicitar todos os cabo-verdianos  pela participação  nas eleições presidenciais  que elegeram Sua Excelência  José Maria Neves ao mais alto cargo da Nação. Felicito-os  pela grande maturidade política que demonstraram durante e depois das eleições. Portanto,  mais uma vez, o povo deu bom  exemplo de  democracia a África e ao mundo. Aproveito a oportunidade para endereçar, igualmente, felicitações  e votos de muito sucesso ao Presidente eleito, na nobre missão de liderar o país.  
Cabo verde parece, igualmente, estar bem encaminhado nos meandros da administração  local …

Cabo Verde tem 30 anos de administração das autarquias. E estando prevista a realização das eleições  autárquicas em Angola, a par da geminação entre as cidades, penso que, nesta vertente, os dois países podem estabelecer cooperação.  
Valências de uma diplomata de carreira
Júlia de Assunção Cipriano Machado, nasceu a 13 de Novembro de 1956, em Luanda. É filha de António Cipriano Machado e de Máxima António Domingos. É mãe de três filhos: António, Evangelina e Pedro. É viúva. Fluente em português e inglês, e com noções de francês, a diplomata fez os estudos primários na Missão Católica da Ilha da Cazanga, em Luanda, e os estudos secundários no Colégio Santa Maria Gorethy, em Ndalatando, no Cuanza-Norte. Foi membro dinamizador do movimento para a campanha de alfabetização de adultos (1975-1983).

Júlia Machado é licenciada em Direito, pela Universidade Agostinho Neto, e exerceu advocacia nas províncias de Luanda e Namibe (1991-1995). É membro fundador da Ordem dos Advogados de Angola. Embaixadora de Carreira, está à frente da Missão Diplomática em Cabo Verde há cerca de dois anos.

Antes da sua nomeação como embaixadora, Júlia Machado participou na Assembleia Geral da ONU, na Sexta Comissão (1991-1996). Desempenhou a função de directora interina dos Assuntos Jurídicos e Consulares do Ministério das Relações Exteriores (1995-1997). Foi nomeada cônsul geral da República de Angola em Nova Iorque de 24 de Novembro de 1999 a Agosto de 2011. Exerceu o cargo de cônsul geral da República de Angola em Houston, Texas, EUA de Agosto de 2011 a Agosto de 2019.

Durante o seu mandato em Nova Iorque, participou como palestrante sobre temas como “Cultura, Imigração e Igualdade de Género” em várias instituições, como a Universidade de Columbia, Schomburg Center e a Escola de Artes de Harlem (Nova Iorque). Júlia Machado participou em seminários sobre os mercados emergentes e oportunidades de investimento em Angola.
 Foi membro da Associação de mulheres Diplomatas nos EUA e membro da Associação dos Cônsules Estrangeiros nos Estados Unidos e foi eleita membro do Conselho de Chanceleres desta Associação. É reconhecida pelo Centro Schomburg de Investigação em Cultura Negra pela sua contribuição na promoção do intercâmbio cultural entre Angola e os Estados Unidos.
 Durante o seu mandato como Cônsul Geral da República de Angola em Houston, recebeu dois Diplomas de Reconhecimento do Senador do Estado do Texas, Rodney Ellis. Recebeu ainda diplomas de mérito das associações dos Angolanos em Brockton, Filadélfia, Nova Jersey e Houston.
 Nos seus tempos livres, Júlia Machado pratica ioga, faz caminhadas e dedica-se a acções de carácter social.

Béu Pombal | Cidade da Praia

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