SOCIEDADE

Angola prepara entrada da vacina para reduzir mortes por malária

A malária é considerada um grave problema de saúde pública no mundo e é das doenças de maior impacto na morbidade-mortalidade da população dos países situados nas regiões tropicais e subtropicais.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), até ao ano passado, a doença tinha matado mais de 619 mil pessoas em todo mundo. Os dados apontam que 90 por cento destas mortes ocorreram na África Subsaariana, região onde Angola se encontra. Em entrevista ao Jornal de Angola, o coordenador Nacional do Programa de Controlo da Malária, José Franco Martins, fala dos números registados e dos projectos para a redução das mortes provocadas pela doença


Que avaliação faz da situação da malária no país?

Ainda é preocupante, porque os números continuam a aumentar. Só para se ter uma ideia, em 2021 foram diagnosticados 9.169.460 casos da doença e destes 13.676 resultaram em óbitos. Em 2022, registou-se 9.211.346 casos, dos quais 12.485 terminaram em mortes. É importante referir que no período de 2021 e 2022 os óbitos por malária diminuíram para 1.191 casos. No primeiro trimestre deste ano, foram registados 2.744.682 casos e destes 2.673 pessoas pacientes morreram.

Quais são os motivos para a redução dos casos?

O Executivo tem estado a construir várias unidades de saúde em todo o território nacional, logo, esta expansão dos serviços de saúde e a aproximação das populações faz com que os pacientes tenham mais facilidade de ocorrerem nos hospitais quando sentirem algum mal-estar, daí os resultados favoráveis. Hoje há mais possibilidade de diagnóstico.

Como tem sido feito esse trabalho de redução?

O Ministério da Saúde tem estado a abordar a malária numa perspectiva multissectorial, mais focada nas soluções, de forma a reduzir os números de casos. Temos já alguns determinantes sociais que estão associados à dinâmica de transmissão. No entanto, para que haja de facto uma redução significativa é necessário que se invista mais na prevenção a todos os níveis, que inclui a luta anti-vectorial, a distribuição de redes de mosquiteiros, a criação de políticas de prevenção específicas para a malária, especialmente na gravidez. Porém, muitas vezes ,estes factores têm limitações que levam ao aumento de casos da malária.
Que projectos o Programa de Controlo da Malária tem para reduzir os números, em especial nas mulheres grávidas e crianças menores de cinco anos?

No âmbito da prevenção, nós temos a distribuição da rede de mosquiteiros, assente em duas estratégias, uma primeira assente na distribuição a cada três anos e outra em rotinas específicas para os grupos vulneráveis, no qual constam as crianças menores de cinco anos e as mulheres grávidas. Geralmente, as crianças recebem mosquiteiros quando vão tomar a vacina e as mulheres grávidas recebem durante a consulta pré-natal.
Há um tratamento preventivo específico para as mulheres grávidas?

Há o tratamento intermitente-preventivo, no qual ela recebe o medicamento para a prevenção da malária na consulta de seguimento. Além desse, temos ainda o programa de pulverização intra-domiciliar, onde são utilizados produtos químicos com efeito residual. Esta estratégia está a ser implementada na parte Sul do país. Existem ainda as brigadas de luta anti-vectorial, cuja função é combater a proliferação de mosquitos com produtos biológicos. Tudo isso é para reduzir o número de infecção por malária e consequentemente o número de mortes materno-infantil.

 
Apesar dos programas, o número de infecção em mulheres grávidas e crianças continua a aumentar porquê?

Devemos perceber que quando há aumento de casos, nem sempre é a estratégia do programa de controlo da malária a falhar. Há acções que derivam do mau comportamento das pessoas. Muitos, ao invés de pendurarem os mosquiteiros por cima da cama para usá-los sempre, usam para cobrir as hortas. Outras ainda usam-nos como rede para pesca. Este deve ser um trabalho de mobilização e sensibilização ao qual todos devemos fazer, para que a população adopte um comportamento seguro, assente na prevenção.

 
Quais as províncias com maior número de casos de malária? 

As províncias com maior número de casos são Luanda, Bengo, Uíge, Bié, Huambo, Cuanza-Sul e Benguela. 

 
O que falta para a subvenção total dos medicamentos?

Este é um processo que envolve vários intervenientes. Mas, sei que já estão a ser dados passos em relação a isso. Não tenho ainda dados actualizados, mas sei que se tem falado muito na possível subvenção total, pois, no sector público, o medicamento é totalmente grátis, apenas no privado é que tem custos. 
Apesar de ser gratuito, ainda se ouve, em algumas unidades de saúde pública, os pacientes a dizerem que têm de comprar os medicamentos nas farmácias. Porquê?

O que está a faltar é nós termos dados viáveis, porque um dos pressupostos de qualquer pesquisa é a utilização no processo de quantificação, além dos dados epidemiológicos, das informações da população. De acordo com os dados que adquirimos relativamente ao senso, nota-se que há um pequeno desfasamento. Então, temos certas insuficiências no processo de planificação em relação à distribuição de medicação a nível das unidades de saúde. 

 
Quando teremos condições para produzir, localmente, anti-palúdicos?

Sabemos que já há várias iniciativas nesse sentido. Porém, as informações ainda não são tão concretas. Caso se efectuassem, seriam uma mais-valia, porque permitem uma maior disponibilidade de medicamentos a um custo muito mais acessível à população. 


Recentemente, foi retirado um medicamento de combate à malária de circulação. O que esteve na base dessa decisão?

Na verdade, muitos acreditam que tenha sido retirado o artemeter. Mas não é verdade. O que saiu de circulação no mercado é a medicação alfa e beta artemeter injectável.  As pessoas pensaram que fosse artemeter. Era falso. Retiramos apenas esses por terem dosagens e formulações que não estão alinhadas com a política de medicamentos pré-qualificados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

 
Há alguma previsão futurista sobre a produção e distribuição de vacinas contra a malária?

Sim, esta situação está em monitoramento. Como é do conhecimento do público, a primeira vacina contra a malária tinha apenas uma eficácia na ordem dos 20 a 30 por cento. Mas nesse momento, estamos a monitorar uma outra, que já tem uma eficácia superior aos 60 por cento e está em fase de pré-qualificação. Então, tão logo passe esse período, acreditamos não haver qualquer inconveniente para adoptarmos como uma das medidas de prevenção da malária, especialmente nas crianças. 
O processo de fumigação tem sido muito contestado. Qual é a sua opinião? 

São químicos que antes de serem  usados no exterior são devidamente testados e quando é orientada a sua utilização é sinal de que todo o processo de susceptibilidade, quer do vector como do ser humano em relação ao produto, foi previamente acautelado.  Claro que podem surgir casos pontuais de pessoas alérgicas a um dos componentes do químico utilizado. Mas é, de facto, um processo eficaz naquilo que é a utilização para o controlo de pragas dos mosquitos adultos.

 
Há um ano, o governo disponibilizou carros para fumigação em todas as províncias. Porém são poucos em circulação. Há alguma razão para tal?

Em relação a estes meios, dentro do acompanhamento feito em todas as províncias, percebemos que há viaturas inoperantes por falta de manutenção, pelo facto de serem sempre solicitados e logo têm um desgaste maior.  

 
Há uma associação muito estreita entre a malária, a dengue e a chikungunya. Até que ponto esta relação não tem atrapalhado no diagnóstico?

Uma das estratégias do programa de combate e controlo da malária é a formação. A nível nacional, continuamos a dar formações em todas as províncias, para garantir a superação dos técnicos. A questão do diagnóstico tem sido muito aflorada nesses encontros, dando ênfase ao diagnóstico diferenciado. Embora essas doenças tenham o diagnóstico diferencial com a malária, os técnicos estão atentos e podem distingui-las, uma vez que os sinais e sintomas assemelham-se, mas clinicamente, é feito procedimentos de exclusão para se chegar ao diagnóstico definitivo. Os exames laboratoriais servem para se ter a certeza de que doença se trata.

Estamos na época chuvosa, altura em que a malária regista um acréscimo no número de casos. Há medicamentos suficientes nos hospitais?

Sim. As unidades estão preparadas para a demanda. Já se fez um exercício de quantificação, que é parte do plano de distribuição. Estão a ser feitos planos para se reforçar o stock existente, face ao momento de pico que teremos no mês de Maio, atendendo às fortes chuvas que têm caído pelo país neste mês de Abril.  Em relação à prevenção, já começamos com a distribuição em massa de mosqueteiros, na razão de um para dois membros da família, em oito províncias do país. Agora estamos a criar condições para distribuir nas dez províncias restantes.

 
Há algum trabalho para se reduzir os casos de malária, por via do reforço do saneamento básico?

Nas comunidades, temos os ADECOS, que são os agentes de desenvolvimentos sanitários, cuja tarefa é fazer o diagnóstico e ajudar no tratamento da doença nas comunidades, assim como desempenham o papel de mobilizadores sociais para mudança de comportamento em relação à adopção de medidas seguras, como a eliminação de criadouros de mosquitos, desde pneus, ou vasos.

 
Da avaliação feita sobre a resposta que o país tem dado à malária, o que mais deve ser feito para se melhorar o quadro? 

Tendo em conta a pandemia da Covid-19, houve alguns recuos relativamente àquilo que é o controlo ou até mesmo a eliminação da malária para alguns países, porque há um duplo fardo em relação aos financiamentos. Antes, não se contava com a Covid-19, mas hoje, ela já faz parte do quotidiano. Então, alguns recursos para outras doenças devem ser canalizados ao combate da pandemia.  Mas de acordo com os números da malária, recomendamos que se coloque a malária no topo da agenda política e se melhore o seu financiamento, uma vez que é a principal causa de internamento e mortes no país. À medida que o tempo passa, tiramos lições muito importantes que nos ajudam a ver que a abordagem desta doença deve ser multidisciplinar, envolvendo outros ministérios.

 
Pode definir- nos o que é a malária?

É uma doença febril aguda causada pelo parasita Plasmodium, que é transmitido pela picada de uma fêmea infectada do mosquito Anopheles. Os sintomas, incluindo febre, dor de cabeça e calafrios, aparecem geralmente entre 10 e 15 dias após a picada e podem ser leves e, algumas vezes, difíceis de reconhecer. Se não for tratada, a malária pode progredir para doença grave e causar a morte. É uma doença evitável e tratável, mas que tem um impacto devastador na saúde e nos meios de subsistência das pessoas.


Consequências da malária
Quando mal tratada a patologia causa disfunção múltipla de órgãos
A malária, por ser uma doença infecciosa, quando diagnosticada tardiamente ou é maltratada pode causar a chamada disfunção múltiplas de órgãos, porque afecta o cérebro, fígado, baço, pulmões, rins e causa anemia grave, que origina a morte de muitos pacientes.

Em entrevista ao Jornal de Angola, por ocasião do Dia Mundial de Luta Contra a Malária, que hoje se comemora, o especialista em Nefrologia José Malanda considera a doença como gravíssima, pelo facto de o vírus ao se instalar no organismo humano e caso não seja combatido, convenientemente, é capaz de se multiplicar e cria o chamado quadro de alta parasitemia.

“Este quadro causa o mau funcionamento de um ou vários órgãos. Se for no cérebro, estaremos em presença de malária cerebral que é a forma mais grave da doença, porque causa distúrbios neurológicos, ao ponto do indivíduo perder a relação com o meio ambiente e ter confusão mental. Às vezes, leva à morte”, acentuou.

O médico nefrologista disse que a doença pode também afectar o fígado. “Quando isso acontece causa a disfunção hepática, uma grave deterioração da função do fígado. Os sinais desta fase da doença são os olhos e pele amarelados, acompanhado de cansaço, fraqueza e perda de apetite”, explicou.

Quando a doença afecta o pulmão, prosseguiu, causa disfunção pulmonar, originando uma pneumonia, que é a dificuldade respiratória. “Geralmente, o paciente tem de ser entubado para poder respirar de forma mecânica, porque a respiração natural está comprometida”. 

Insuficiência renal

De acordo com o médico nefrologista, outro órgão muito afectado pela malária é o rim. Quando acentuada, referiu, a doença causa insuficiência renal aguda. “Na maioria dos casos, quando isso acontece, é sinal de que o indivíduo já tem outras disfunções, como a circulação sanguínea comprometida e a pressão arterial completamente alterada”.

O nefrologista realçou que o tratamento desta insuficiência renal aguda deve começar sempre com a terapia da própria malária e hidratação do paciente, impedindo assim que o rim perca todas as funções.

Questionado sobre a principal razão da malária afectar o rim, José Malanda explicou que os plasmódios provocam roturas nos globos vermelhos e os fragmentos destes globos acumulam-se nos pequenos vasos dos rins, acabando por entupi-los e com o passar do tempo, estes órgãos apresentam dificuldades no funcionamento.

Para José Malanda, apesar de ser reversível, a insuficiência renal aguda provocada pela malária é uma doença grave e muito difícil de se tratar. “Se for então diagnosticada tarde ou ser mal abordada, pode evoluir para a insuficiência renal crónica, e precisar de ser submetida a sessões de hemodiálise ou diálise peritoneal em alguns casos”.

Na opinião do médico nefrologista, os pacientes que tenham sofrido de insuficiência renal aguda causada pela malária, fazendo ou não hemodiálise, devem manter um seguimento regular com o nefrologista.  “Estudos apontam que, indivíduos que já tiveram insuficiência renal aguda, mesmo tendo se revertido para valores da função renal normal, no espaço de 5, 10 e até 15 anos, podem começar a apresentar alterações da função renal e se não for controlada poderá evoluir para insuficiência renal crónica”.

A malária, adiantou, é a primeira causa de morte. “A maior parte das pessoas que têm malária e desenvolvem insuficiência renal aguda, infelizmente não são diagnosticadas atempadamente e nem recebem o devido tratamento, daí que muitas acabam por evoluir para insuficiência renal crónica”.

Na visão do nefrologista, a malária é uma doença de responsabilidade social grande, que não deve ser apenas da responsabilidade do Ministério da Saúde, antes, todos os ministérios devem estar incluídos nessa luta, envolvendo acima de tudo os governos províncias para que cuidem mais do saneamento básico, “porque uma vez controlado o saneamento básico, os números da doença vão reduzir significativamente”.

Saúde mental

A directora Nacional de Saúde Mental, Massoxi Vigário, disse que a malária cerebral tende a causar sequelas neurocognitivas que afectam a forma de pensar, falar e compreender. “Se não for tratada convenientemente com o tempo, o indivíduo pode desenvolver quadros de depressão, ansiedade e outros transtornos psiquiátricos”, avançou.

Massoxi Vigário considerou importante que estes sintomas sejam tratados por um profissional de saúde mental, como psiquiatras, psicólogos clínicos, para se prestar um atendimento adequado e evitar quadros que se tornem crónicos.

Por: Jornal de Angola

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